Estava eu, tranquilamente na livraria cultura esta semana, na seção de livros de história, eis que de repente uma jovem se aproximava de mim. Não liguei de inicio, mas percebi que ela também estava procurando algum livro na mesma parte que eu. Continuei a observá-la, nada demais, entretanto, notei que, como eu, ela pegava um livro e outro e olhava o preço e colocava-o no lugar. Hábito comum de pesquisa de preços. Quando ela se aproximou mais um pouco eu repercuti. – “toda vez que venho aqui me pergunto; porque livros de história são tão caros?” - ela sorriu e retribuiu a anedota – eu sinto essa mesma sensação. Eu sorri também. Ela disse-me que estudava história.
Aquilo tinha tudo para ser uma conversa amistosa. Mas aí ela perguntou você é professor? Eu disse sim, mas que ainda estava estudando na graduação também, ela respondeu – “meus pêsames” e sorriu. Eu não achei a menor graça. Retribui seu comentário de mau gosto, de forma lúcida. “Eu ainda não estou morto” ela não sorriu. Notei que ela precisava de ajuda. Ela disse-me que precisava de algum livro sobre Os Maias, Astecas ou Os Incas, porque ela não conhecia nenhum autor sobre o assunto. Eu disse que poderia ajudá-la, pois, conhecia alguns autores que tratavam sobre e falei como poderia proceder a caso, sua pesquisa ou estudo fossem relevantes a determinadas questões como cultura, religião e sociedade. Ela agradeceu ao “professor”. Me senti feliz com tudo aquilo, de poder ser útil, de poder orientar alguém que precisava de uma luz. Uma bobagem talvez, um ato comum a qualquer pessoa que tendo conhecimento transmite-o sem esperar nada em troca. Mas a opinião dela sobre minha condição como professor representa a de muitos que dentro da própria graduação ou fora dela, tem uma imagem sobre a qual me enoja.
Qual o motivo que eu tenho para reclamar daquilo que eu escolhi para minha vida, de forma mais lúcida que ela mesma, que nem sabia o que queria realmente. Não sabia se queria apenas estudar história ou ensinar sobre história ou poderia estar insegura com seu futuro em relação ao que ela estava fazendo. Ou simplesmente cansou, desistiu. Pelo seu comentário deselegante acho que ela estava frustrada. Problema dela. Eu não, segurança não me falta, porque sei dos percalços da profissão. Sinto-me bem quando pesquiso, leciono, organizo alguma aula. “Perco meu tempo, como dizem por ai, perco meu final de semana, como acham por aí, perco oportunidades de sair, como dizem por aí, deixo de ser pegador, como dizem por aí”. Não, estão enganados. Não deixo de fazer nada disso, mas, tudo tem sua hora, seu momento. Nunca deixei de sair, de ver meus amigos, de conhecer novas pessoas ou me deleitar nos braços de uma mulher numa cama macia, por nada disso. Mas tudo é uma questão de responsabilidade e objetivo. Isso se chama “foro intimo”.
Descobri-me mais ainda dessa forma. Qual o motivo que eu tenho então para reclamar? Esta escolha é só minha. O responsável por tudo isso sou eu mesmo. “Que se dane quem acha que o professor, precisa de migalhas”. Não tenho qualquer insatisfação, porque tenho a certeza daquilo que quero. Questão de objetivo. “Que se dane se eu vou ter que ler e estudar 15 livros para o mestrado e depois ter que elaborar uma tese para o doutorado”. Quando eu conseguir isso é porque eu mereci. “Nada cai do céu”.
Temos o dom para reclamar de tudo em nossas vidas. Nossa condição social, sentimental, material, estética e moral. Para tudo pensamos que estamos na pior das situações. De que não tem jeito, de que nada vai mudar. Somos assim por natureza, pois nunca estamos satisfeitos, outros mais, outros menos. De certa forma, esta insatisfação pode ser vista também como ponto positivo no caráter, pois, o desejo de ascensão, ambição ou perseverança pode ser também inerente as nossas atitudes, edificando nossas ações e atitudes, de uma maneira saudável e ética. Depende de cada um.
Não está satisfeito, caia fora, é simples. Faça aquilo que deixa feliz. Livre-se do mundo das incertezas, perceba-se, conheça-se. “Conhece-te a ti mesmo” já dizia meu querido Sócrates. Sábio.
A sociedade contemporânea, nas ultimas décadas criou uma cultura de quê “o professor é um coitado”, que vive lutando pelos seus direitos e de que ainda por cima ainda acham que o futuro do país está em nossas mãos. De que vamos mudar o Brasil. Claro que não. Nunca vamos conseguir isso, nunca. Apenas vamos contribuir. Apenas isso. Pois, tudo é um conjunto de fatores, e as responsabilidades sociais, políticas e econômicas dependem de uma gama muito maior de enfrentamentos e soluções dos problemas que existem em nossa sociedade. Acontece também com os que estão na graduação, que durante o curso acabam desistindo, por se frustrarem com tudo. Estes nunca realmente serão professores, ou sequer nunca foram em seu intimo. Estes, apenas não tiveram maturidade nas suas escolhas. No final das contas, lembrando aquela garota, sei que ela precisou de mim naquele momento, mas sei que ela mesma é que precisa de si própria, pois, ela mesma mal sabe o que pensa, pois nem se quer compreende o real valor que pode desenvolver em si mesma e nem fez idéia do que ela escolheu. Quando ela se encontrar, poderá mudar e rever certos conceitos e preconceitos, motivados por uma sociedade doente intelectualmente que pouco compreende o que é ser professor e qual o verdadeiro sentimento que carregamos dentro de nós. Sinto muito, mas... Meus pêsames para ela, que ainda não se encontrou.